“Os fantasmas do massagista” Trecho
Por Mario Bellatin, inspirado em Construção.
Como algumas pessoas devem saber, de tempos em tempos viajo à cidade de São Paulo para submeter-me a determinado tratamento clínico. Entre os numerosos métodos terapêuticos a que costumo me submeter, no Brasil faço com que cuidem do desequilíbrio causado, especialmente em minhas costas, pela falta do antebraço direito. Para esse tipo de terapia vou a uma clínica especializada em pessoas que perderam ou estão prestes a perder algum membro. A instituição fica na Vila Madalena e conta com um andar exclusivo para esse tipo de paciente. Tem um tanque guarnecido de jatos subaquáticos que oferecem massagens potentes. É comum ver entrar ou sair desse tanque — às vezes com ajuda, às vezes sem — uma série de indivíduos com limitações físicas que parecem buscar nessas águas a paz que seus corpos dão a impressão de necessitar. Ocorre que muitas vezes a falta de um membro ou alguma deficiência física provoca uma espécie de tensão nos nervos daqueles que a padecem. Num outro canto desse andar ficam os consultórios equipados para as terapias individuais. São espaços pequenos com macas para massagem, separadas umas das outras apenas por algumas cortinas finas. Até seis pacientes podem ser atendidos simultâneamente nessa seção. E um único terapeuta é capaz de oferecer, ao mesmo tempo, seus serviços a todos os necessitados, indo de maca em maca em poucos minutos. O método empregado por esse especialista é um tanto peculiar, pois ele deixa para cada paciente, antes de passar ao próximo, alguns exercícios como tarefa, que o terapeuta sabe que o manterá entretido enquanto atende os outros cinco. Uma das particularidades desse tipo de consultório — curiosamente, não existe nada parecido na cidade onde vivo, motivo pelo qual aproveito para visitá-lo quando tenho de fazer uma viagem a São Paulo — é que através das cortinas é possível escutar parte do que se passa nas outras macas. Às vezes a sensação de ouvir é desconcertante, principalmente porque quase nunca dá para imaginar como é o físico da pessoa que está sendo atendida ao lado. De que tipo de corpo provêm os sons que esses mesmos corpos produzem. Além das queixas, dos lamentos, comentários e conversas dos outros pacientes, é comum ouvir o ruído de ossos estalando ou o som peculiar que se produz quando as carnes são massageadas pelas mãos dos especialistas. Em certa ocasião, a consulta causou-me uma inquietação maior que de costume. Deitado, eu esperava em meu lugar a chegada do terapeuta, quando escutei um tipo de queixa com que ainda não me defrontara. Coube-me ouvir, no espaço contíguo ao meu, o caso de uma mulher que tivera uma perna amputada havia apenas alguns dias. No entanto, apesar da intervenção, ela se queixava de uma dor profunda no membro inexistente. Parecía incapaz de suportar o sofrimento que se produzia num espaço agora alheio a seu corpo, no lugar vazio deixado pela perna mutilada. Os gritos e as queixas da mulher davam a impressão de que ela não conseguia entender a situação por que passava. Parecia ignorar que estava entregue à própria sorte. Que ninguém neste mundo podia fazer nada por ela, Se o local onde a dor se originava era irreal, nada conhecido poderia cuidá-la. Nenhum remédio, tratamento ou método terapêutico conhecido adiantaria. Toda a ciência médica era incapaz de encontrar uma solução para um caso como aquele. Eu sabia que alguns pesquisadores falavam em dispor de espelhos no lado oposto ao da parte amputada, para que o paciente tivesse a ilusão de ser ainda um ser completo. Mas nenhuma dessas terapias contava com um fundamento científico definido, e por isso não eram aceitas universalmente. Nem o mais potente analgésico, fortes doses de morfina, talvez?, nem uma terapia à base de massagens -que teriam de ser feitas no ar- poderiam oferecer alívio à mulher atendida a meu lado. O terapeuta, que naquele dia cuidava somente de nós dois, pois não tinham vindo outros pacientes, parecia nervoso quando estava ao lado de minha maca tentando dissolver os nós que costumam se formar nos nervos de meu ombro direito. Ao abandonar sua paciente, durante...