Era uma blitz - mania brasileira de resolver os problemas no grito: proíbem, baixam o pau, prendem, para depois voltar tudo ao que era antes.
- Falsos por que? - espantou-se o dono do carro.
Ele vinha calmamente da praia de São Conrado, e de repente se viu cercado de soldados em frente ao Hotel Nacional. Detinham todos os carros e davam uma busca de cabo a rabo, olhando até dentro do motor. No seu, pelo menos, não encontraram nada - a nao ser a falsidade dos documentos, que o soldado invocava agora:
- Falsos porque aqui diz que o senhor tem porte de arma. E o senhor não esta armado.
Mais essa agora. Contando, ninguém acredita:
- O fato de eu ter porte de arma não me obriga a andar armado, qual é?
Tinha graça, ele na praia de revolver enfiado no calção de banho:
- Tá tudo bem, seu guarda, mas brincadeira tem hora. Me da os documentos que estou com pressa, preciso ir andando.
- Estão apreendidos.
Acabou perdendo a paciência:
- Apreendido é a ...
Nem bem ameaçou o palavrão, o soldado saltou sobre ele.
- Desacato à autoridade. O senhor esta preso.
- Preso? Que bobagem é essa?
Os outros soldados se chegaram e a coisa começou a ficar preta: eram mais de vinte. Veio o sargento saber o que se passava. Ele se explicou como pôde, segurando a lingua, mas o soldado insistia:
- Xingou a minha progenitora. Desacato à autoridade.
- Desacato a autoridade - confirmou o sargento gravemente.
Veio o tenente para conter seus subordinados, que já queriam acabar com a raça dele ali mesmo. Mas, não relaxou a prisão.
- Como é que o senhor, que parece um homem tão educado, vai xingando a mãe dos outros assim sem mais nem menos? Agora não tem perdão: preso por desacato à autoridade.
- Está bem, se querem me prender, me prendam - conformou-se ele, e foi acrescentando logo, com ar de entendido:
- Só que depois meto um processo em cima de todos por abuso de autoridade. E a pena por abuso de autoridade, vocês sabem disso, é muito maior que a de desacato. Olhou o número de placa de um carro que ia passando:
- Artigo 2365 do Codigo Penal, como vocês sabem.
Com essa, pelo sim, pelo não, acabaram concordando que o melhor era mesmo ele ir embora, com documentos e tudo.
Fernando Sabino (adaptação)